segunda-feira, 16 de abril de 2012

ARTIGO - Belo Monte: A colonização continua


*Arnaldo Jordy
   
As notícias que maldizem as obras para a usina de Belo Monte começaram a ser estampadas nos jornais. Esse mês, operários do projeto foram reprimidos com bombas de gás e spray de pimenta ao reclamarem das condições precárias de trabalho e salários. Esse é apenas mais um dos episódios que marcam a construção da hidrelétrica. Denúncias de violação dos direitos das populações tradicionais e de exploração sexual de crianças e adolescentes já chegaram à Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal.

Nossas riquezas atraem os grandes investidores e aventureiros, mas a experiência dos grandes projetos econômicos tem se mostrado negativa: já conhecemos os dramas de Tucuruí, inclusive com o agente laranja ou o maldito pó da china e o drama dos atingidos pela barragem, que há 30 anos lutam pelas compensações prometidas. Desde o início, alertamos para os impactos trazidos com a implantação de Belo Monte, para que esta não seja mais uma obra para saquear nossas riquezas.

A responsabilidade de abrigar a terceira maior hidrelétrica do mundo pesa sobre nossos ombros. Serão investidos cerca de 30 bilhões de reais no projeto, mas com impactos ambientais e sociais de grandes proporções. Já possuímos um dos mais baixos IDH do país, somos campeões de trabalho escravo e de morte no campo pela disputa de terras, temos o menor IDEB do Brasil e a terceira pior renda per capta da região amazônica. A União, o maior ente arrecadador, não pode ficar divorciada dessa realidade, precisa chegar à esfera local e apoiar os municípios que receberão os impactos de mais essa grande obra, sob o risco desses indicadores perversos não serem superados.

A Norte Energia obteve incentivos para a construção da usina, mas quebrou o acordo ao adquirir equipamentos em outros estados, além de não valorizar a mão de obra local. O Estado mais uma vez sai perdendo. Só na compra de 118 caminhões que o consórcio fez em São Paulo, o Pará perdeu cerca de 6 milhões de reais de ICMS. E as condicionantes acordadas ainda não passam de meras promessas.

Não podemos aceitar esse modelo colonizador que promove o desenvolvimento lá fora e não assegura os benefícios ao Estado. Não nos cabe concordar apenas com boas intenções de investimento em desenvolvimento social e outras melhorias, quando sabemos que o Estado do Pará gera mais de 5,5 milhões de megawatts e somente 25% dessa produção é destinado ao consumo da população. Queremos que a produção local de energia, ou qualquer outro empreendimento, beneficie também o povo que aqui reside e traga melhorias nas condições de vida.

Nosso mandato vem cobrando do ministério de Minas e Energia medidas para garantir o cumprimento das condicionantes à construção de Belo Monte. A preocupação não é somente com a infraestrutura das cidades atingidas pelas obras, mas também com a garantia de desenvolvimento para esses locais, com hospitais, escolas profissionalizantes, universidades públicas, segurança, emprego e renda a fim de consolidar a região como um polo de desenvolvimento sustentável.

Outra luta travada é para que o ICMS da energia elétrica seja recolhido no local da geração e não quando da distribuição, como é feito hoje. O imposto arrecadado poderá minorar os impactos causados pela obra e possibilitar investimentos para que a energia chegue aos lares amazônicos. Queremos assegurar um efetivo desenvolvimento à região amazônica e, se Belo Monte já é uma realidade imposta, que toda população dos municípios atingidos tenham garantias de qualidade de vida. Ainda pedimos ao Tribunal de Contas da União que faça auditoria nos contratos firmados para a implantação da Usina. Buscamos a transparência da obra.

É preciso refletir o modelo de sociedade que insistimos construir e na qual o consumo tende a se chocar frontalmente com os desafios sustentáveis e civilizatórios. A região perdeu o ciclo de desenvolvimento industrial, mas mantém a mais abrangente biodiversidade do mundo e a maior reserva de recursos hídricos. E isso é um ativo importante para a própria sobrevivência da espécie humana no planeta, o que merece, insisto, uma compensação, para diminuir os impactos decorrentes da implantação desses grandes projetos em nosso solo.

*Arnaldo Jordy é deputado Federal (PPS/PA), vice-presidente da Comissão de Meio Ambiente da Câmara.

 

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