sexta-feira, 3 de março de 2017

ARTIGO - Mais cultura


* Arnaldo Jordy
  
Há quem veja a cultura como algo fútil, sem utilidade prática no dia a dia das pessoas. Alguns chegam ao absurdo de dizer que em vez de cultura, a verba deveria ir para a saúde e a educação. 
  
Não é por aí, como se essas atividades fossem excludentes entre si, particularmente em nosso país, que detém o 8º PIB do planeta. 
  
Através da cultura, nos enxergamos como Nação, com toda a nossa diversidade de linguagens, sotaques e diferenças culturais. Pelo cinema, pela música, pelo teatro, nos encontramos e somos capazes de nos entender. Isso sem falar na oportunidade de termos lazer de qualidade para nossas horas de folga. Lazer esse que também gera empregos e garante a sobrevivência de muitas famílias.
   
Como exemplo, tivemos agora, nesse carnaval, no Rio de Janeiro, um aquecimento na economia de R$ 3,2 bilhões. O desfile do Galo da Madrugada, tradicional bloco de Pernambuco, que, anualmente, reúne 2 milhões de foliões pelas ruas de Recife, foi o campeão entre todos os outros blocos dos principais carnavais do Brasil em captação de recursos de incentivo fiscal via Lei Rouanet. Foram R$ 5 milhões captados em dez anos. Só para o carnaval de 2017, foram investidos R$ 100 mil em incentivos fiscais promovidos pela referida lei, valor que corresponde a 10% do custo total do bloco. O retorno para a economia é certo. São 24 mil empregos diretos e indiretos criados, entre costureiras, figurinistas, vendedores, taxistas, técnicos de montagem de palco e camarotes, da rede hoteleira, entre outros, com mil pessoas envolvidas diretamente no bloco.
    
Mais do que isso, atrações como Galo da Madrugada tornam o carnaval de Pernambuco um dos mais procurados do Brasil, com estimativa de 1,7 milhão de turistas passando pelo Estado neste período. O investimento total no carnaval pernambucano, entre poder público e iniciativa privada, chega a R$ 40 milhões, com retorno garantido. Isso mostra que valorizar a cultura popular traz dividendos. Em todo o Brasil, os locais que fazem isso têm maior apelo turístico e geram muitos mais empregos nessa área.
   
Isso mostra também que a Lei Rouanet, quando bem aplicada e fiscalizada, pode cumprir sua função de democratizar a distribuição de recursos para a cultura e valorizar as manifestações localizadas em Estados cujo mercado cultural é consolidado, como os do Sudeste, de onde sai a maioria dos filmes, novelas e grandes shows musicais. Mas o que se viu nos últimos anos, pelo menos desde 2001, foi uma grande frouxidão na fiscalização desses recursos, da qual se aproveitaram algumas quadrilhas para se locupletar do dinheiro de incentivos fiscais concedidos via lei de incentivos. Tudo está sendo investigado na CPI em curso na Câmara dos Deputados.
   
O passivo deixado sem fiscalização no Ministério da Cultura pelos governos anteriores é de aproximadamente 20 mil projetos, sobre os quais não houve qualquer tipo de verificação sobre sua execução, dando margem a desvios e corrupção, como vem sendo investigado na operação Boca Livre, da Polícia Federal. 
   
As investigações apontam que agentes intermediários cadastravam os projetos no Ministério da Cultura e captavam os recursos junto às empresas financiadoras. Em contrapartida, ficavam com 25% a 30% do valor liberado para cada projeto. Há suspeitas de superfaturamento, de uso de notas fiscais “frias” e de projetos simulados e duplicados, tudo isso sem qualquer fiscalização pelo Minc.
   
A operação Boca Livre, deflagrada em 2011, teve inquérito policial aberto em 2014 e uma segunda fase aberta em 2016, para apurar desvios estimados pela PF em R$ 5 bilhões, por meio de projetos de marketing e eventos institucionais, que sequer deveriam ter sido contemplados pela Lei Rouanet, pois só interessam a grandes empresas, que, dessa forma, custeiam com dinheiro de impostos grandes eventos de divulgação.
   
Nada disso significa que a Lei Rouanet deve acabar ou que é danosa. No encontro que tivemos com o ministro da Cultura, Roberto Freire, artistas e produtores culturais, em Belém, ficou clara a grande demanda por apoio na Amazônia, enquanto artistas consagrados são contemplados, como a baiana Cláudia Leitte, e aqui não questiono os méritos da cantora, que conseguiu captar R$ 1,2 milhão via Lei Rouanet para a realização de uma turnê plenamente comercial, que não precisa de incentivo para lotar suas plateias. Não é à toa que o Tribunal de Contas da União quer que a consagrada artista devolva esse valor aos cofres públicos.
   
Nossa expectativa é de que a nova gestão do Minc mude esse quadro. Uma força-tarefa será instalada para avaliar o passivo de quase 20 mil projetos que não foram fiscalizados. Freire também já anunciou a ampliação da representação Norte do Minc, que terá aumentada sua presença na Amazônia, passando a ser uma das maiores do país, num primeiro passo para a tão sonhada democratização dos recursos para a cultura.
   
A maior presença do Minc na Amazônia é parte de um plano maior para aumentar a influência do ministério nas decisões sobre quais áreas receberão incentivos. Uma proposta é que a cada projeto de grande valor aprovado para o Sudeste se destine parte desses recursos para projetos na região Norte e Centro-Oeste, por exemplo. Quanto às estatais, estas deverão ser obrigadas a investir parte dos seus recursos para a cultura nas regiões mais depreciadas, conforme análise de um Comitê Gestor da Lei Rouanet. Precisamos de uma distribuição mais justa dos recursos para a cultura, para compensar a colonização cultural sobre a nossa região, além de gerar empregos e renda para os que fazem a cultura.
   
  
* Arnaldo Jordy é deputado federal, líder do PPS na Câmara
    
  

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