* Arnaldo Jordy
O Brasil vive discussão acirrada acerca da reforma da Previdência. Está claro que algo precisa ser feito para garantir que as futuras gerações tenham condições de usufruir do benefício da aposentadoria. Não se pode aceitar, no entanto, que somente os trabalhadores paguem a conta, quando sabemos que em nosso país ainda existem privilégios e benesses para apenas alguns segmentos. A Previdência, quando foi instituída, tinha sete trabalhadores na ativa para um aposentado. Hoje, são 2,4 trabalhadores para cada inativo.
Além disso, precisamos discutir o que pouca gente fala, as dividas de empresas com a Previdência Social, que somam R$ 416 bilhões, entre elas, as maiores instituições financeiras do País, que obtém grandes lucros, como Itaú, Bradesco e outras.
O momento não é fácil, atravessamos a pior crise econômica e fiscal da história recente. As despesas do governo superam em muito as receitas. O País fechou 2016 com um déficit primário, que é quando o valor gasto pelo governo excede a sua arrecadação, de 2,47% do seu PIB. Em 2015, o déficit foi de 1,8%. O resultado do setor público consolidado de 2016, antes do pagamento de juros da dívida, foi negativo em R$ 155,791 bilhões. A projeção da Fazenda para este ano é de um déficit de R$ 139 bilhões apenas no governo central. Esse é o tamanho do rombo do governo, causado pelo descalabro de gastos do governo anterior.
Esse momento de crise pode ser aproveitado para que se mude alguma coisa no Brasil. Um exemplo é o pagamento de salários acima do teto constitucional, que é o vencimento de um ministro do STF, atualmente em R$ 33,7 mil. São muitos os casos de agentes públicos que ganham muito acima desse valor: são 11 mil servidores que se aproveitam de brechas na lei e da incorporação de “penduricalhos” nos salários ao longo do tempo.
Também são muitas as categorias que recebem aposentadoria precoce. Com plano de previdência próprio, ex-senadores e ex-deputados recebem, em média, R$ 14,1 mil por mês de aposentadoria, enquanto a média dos benefícios pagos pelo INSS é de R$ 1.862, segundo levantamento feito pelo “O Estado de S. Paulo” no final do ano passado. Os reajustes pagos aos parlamentares também são repassados às aposentadorias. O teto para os congressista é de R$ 33.763, enquanto que o do INSS é de R$ 5.189,82. O PPS está propondo a revisão dessa situação dos parlamentares.
Também merece atenção o regime para os militares. Mesmo merecendo um regime especial, sem dúvida, por conta de suas atividades, é preciso que haja um esforço para ajustar a aposentadoria dos militares ao esforço geral em torno da reforma da Previdência.
As aposentadorias precoces são outro ponto de críticas ao Judiciário, que usa esse expediente, vejam só, para punir os juízes que cometem deslizes éticos. A punição que mais parece um prêmio é reservada aos magistrados e membros do Ministério Público acusados de delitos graves, e inclui o recebimento muitas vezes integral dos vencimentos. Há um conjunto de juristas que considera essa punição apenas a continuidade do pagamento de salário a quem deixou de merecê-lo.
Outro exemplo de privilégio que recentemente foi notícia nacional são as aposentadorias pagas por 16 Estados a ex-governadores. Muitos desses Estados estão quebrados, com salários de funcionários públicos atrasados, alguns ainda não pagaram totalmente o 13º aos seus servidores, mas destinam um valor que soma R$ 37 milhões por ano a este fim. Algumas pensões são pagas a quem ocupou o cargo por poucos meses ou até mesmo por poucos dias.
A lista inclui pagamento de auxílio-moradia para quem tem casa e condições de pagar por ela e outros favores que remetem ao nascimento do Brasil, quando seu território foi dividido em capitanias hereditárias e cujos donos, os amigos do rei tinham direito de vida e de morte sobre tudo dentro do seu quinhão. Desde então, o sentimento patrimonialista faz com que grupos sirvam-se do público como se fosse privado, ainda que a lei diga o contrário.
Mas não é possível falar sobre privilégios no Brasil sem citar um que não é pecuniário, mas uma anomalia jurídica que permite aos seus beneficiários procrastinar o cumprimento da justiça. É o foro privilegiado, que faz com que o presidente da República, ministros, parlamentares, prefeitos, integrantes do Judiciário, do TCU e do Ministério Público tenham ações penais julgadas não pela justiça comum, mas pelo sobrecarregado STF, que leva, em média, 18 anos para julgar essas ações. Com isso, 68% dos casos que prescrevem sem julgamento. Hoje, são mais de 20 mil agentes públicos que têm foro privilegiado.
Já está mais do que na hora do Congresso tomar a dianteira e seguir o clamor popular, adotando uma pauta em defesa da igualdade entre os cidadãos, acabando com privilégios como o foro privilegiado, os supersalários, as aposentadorias precoces e outros que tornam o Brasil menos justo. É hora de construir um Brasil sem privilégios.
* Arnaldo Jordy é deputado federal, líder do PPS na Câmara
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