* Arnaldo Jordy
O Brasil assistiu estupefato ao anúncio pela Polícia Federal da operação Carne Fraca, que revelou que parte dos grandes grupos de frigoríficos no Brasil estão envolvidos em um esquema de corrupção, por meio do qual pagam fiscais do Ministério da Agricultura para que façam vista grossa às condições sanitárias de suas indústrias. A revelação pôs em xeque a qualidade da carne brasileira, que é exportada para dezenas de países, alguns com mercados consumidores nos quais o Brasil lutou muito para entrar, como a China e os Estados Unidos.
O consumidor brasileiro ficou sabendo, no ato da divulgação da operação, que muitos frigoríficos sequer eram fiscalizados e alguns cometiam flagrantes desrespeitos às normas sanitárias rígidas que são exigidas na produção de alimentos.
Passado o susto inicial, já é possível concluir que não é todo o conjunto de fiscais agropecuários, nem toda a indústria de frigoríficos no Brasil que estão envolvidos no esquema criminoso, mas um grupo de 33 agentes públicos articulados com empresários e políticos, que atuavam em Estados na região Sul.
Até meados da semana passada, cerca de 30 países impunham algum tipo de restrição ou barreira à carne brasileira em decorrência das revelações da operação Carne Fraca. Alguns impuseram barreiras somente aos 21 frigoríficos investigados, outros países tomaram medidas mais amplas. Alguns dos maiores mercados, no entanto, já recuavam nas restrições ao Brasil, tais como a China, Hong Kong e Coreia. A tendência é de que aos poucos a situação volte ao normal, pelo esforço do governo em tomar providências e esclarecer mal entendidos, mas o prejuízo é irreversível. A reação dos exportadores reduziu em 19% as vendas do Brasil no mercado exterior.
Ao final, o prejuízo maior não será apenas nas exportações, mas na imagem do Brasil, por culpa dela, sempre ela, a corrupção.
Em discursos no parlamento europeu, logo após o estouro do escândalo, parlamentares atacaram o Brasil por causa do problema da corrupção, que parece ser endêmico no país. O eurodeputado e ex-ativista francês José Bové disse na ocasião que não eram quatro empresas que estavam sendo questionadas, mas todo o sistema de controle de fraudes do Brasil que apresenta falhas. Mais duro ainda foi o eurodeputado John Agnew, para quem, existe "uma cultura da propina no Brasil".
Só mesmo essa cultura da corrupção que ainda está enraizada em nosso país para justificar que tantos estejam simplesmente condenando a Polícia Federal pela operação Carne Fraca, ignorando suas graves denúncias, que tratam da qualidade do alimento que chega às mesas dos brasileiros, com a justificativa, apenas, do prejuízo para a balança comercial brasileira.
Em vez de condenar quem investiga a corrupção e a fraude devemos, isto sim, revistar todo o sistema de fiscalização sanitária do nosso país, de modo a recuperar, aos poucos e com solidez, a credibilidade do nosso sistema de inspeção, tanto no Brasil quanto lá fora, ou logo chegaremos à triste situação de condenar a ratoeira por apanhar o rato.
Podemos até admitir que houve erros na forma como foi feita a comunicação da operação Carne Fraca, como um certo tom sensacionalista para tratar de um assunto grave e repleto de implicações, além de algum desconhecimento técnico sobre a atividade dos frigoríficos, que levaram à divulgação de informações imprecisas. Nada disso tira, entretanto, a gravidade das denúncias que foram apresentadas e que precisam ser investigadas a fundo.
E mais importante ainda é combater a cultura da corrupção no Brasil, responsável por desvios estimados em R$ 200 bilhões por ano em nosso país, dinheiro que deixa de ser aplicado em bons serviços públicos e que sangra os cofres da nação, tornando alguns mais ricos, e relegando a imensa maioria dos brasileiros ao abandono dos postos de saúde, às escolas em situação precária, às estradas repletas de buracos e lama e a tantos outros prejuízos muito maiores que os danos à imagem dos exportadores, imagem que eles poderão recuperar com o tempo, apenas seguindo as regras que deveriam ter seguido sempre.
Por isso, mais do que nunca, é preciso apoiar o combate à corrupção, a operação Lava Jato e todas as medidas que sejam capazes de punir os corruptos e acabar com a sensação de impunidade que levou esse grupo de fiscais agropecuários a achar que poderiam brincar com a saúde da população em troca de propina.
Aproveito a oportunidade para parabenizar o juiz Sérgio Moro, que condenou a 15 anos de reclusão, em regime fechado, o ex-deputado Eduardo Cunha, por prática de tráfico de influência, corrupção e outros crimes. Isso só confirma o nosso entendimento quando, pela primeira vez, o denunciei à Corregedoria da Câmara, em outubro de 2015, o que levou ao seu processo de cassação. A Justiça agora confirma que no Brasil, apesar da descrença de muitos, não há mais espaço para a corrupção e o coronelismo.
* Arnaldo Jordy é deputado federal, líder do PPS na Câmara
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