Da Agência Brasil
Por Camila Maciel
São Paulo/SP - A brasileira Renata Gomes Nunes, suspeita de participação em esquema de tráfico de mulheres para fins de exploração sexual na Espanha, foi ouvida hoje (21) na capital paulista pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Tráfico de Pessoas da Câmara dos Deputados. Ela negou envolvimento com o caso. Na avaliação do deputado federal Arnaldo Jordy (PPS/PA), que preside as investigações, a depoente entrou em contradição em diversos momentos e não há dúvidas de que Renata fazia parte da quadrilha.
"Ela era sócia do Gitano [Ángel Bermudez Motos, acusado de comandar o esquema]. Era o braço direito dele. Todas as meninas falaram dela nos depoimentos. Todo o contato das vítimas com o mundo exterior era fiscalizado pela Renata. Ela orientava qual roupa era mais fashion, a mais decotada", disse o deputado. A Operação Planeta, feita pela polícia do Brasil, em cooperação com a da Espanha, desbaratou em janeiro deste ano organização internacional que recrutava mulheres em Salvador e as mantinha em cárcere privado na Boate Vênus, em Salamanca, na Espanha.
No início do depoimento, Renata disse que não mantinha relações afetivas com Ángel e que teve pouco contato com ele, mas, em seguida, declarou que tinha encontros amorosos com o acusado. De acordo com o deputado federal Luiz Couto, vice-presidente da CPI, as investigações da Polícia Federal apontam uma viagem de Renata ao Brasil, na companhia de Ángel, em que eles negociariam a ida de mulheres à Espanha. Ela negou que tenha feito a viagem com esse objetivo e que só ficou na companhia dele, ao chegar em Salvador, por 24 horas porque os dois tiveram uma briga.
Denílson Pereira Reis, primo de Renata, que está preso no Brasil, é acusado de ser o recrutador das mulheres na Bahia. A depoente, no entanto, assumiu que apresentou Ángel a Denílson, mas que a intenção era que o primo trabalhasse como guia para o espanhol quando ele estivesse no Brasil. "Eu não tinha nenhuma participação nos negócios da boate. Agora, não posso mais dizer que não sei de nada, porque vi reportagens na televisão, na internet, está em todo lugar, mas não estou envolvida", disse Renata. Ela não foi presa na Espanha porque, dias antes da operação, viajou para o Brasil.
Além desse caso, a CPI ouviu depoimentos de mais duas denúncias de tráfico de pessoas. "Estamos fazendo oitivas, diligências nos estados dos casos mais representativos da CPI. Não dá para investigar todos os casos, porque são muitas denúncias", disse o deputado Jordy. Um dos casos envolveu o recrutamento de adolescentes para as categorias de base da Associação Atlética Portuguesa Santista. Segundo denúncia do Conselho Tutelar de Santos, 12 adolescentes do estado do Pará viviam em condições precárias na cidade do litoral paulista.
O presidente da associação José Ciaglia destacou o papel assumido pelo clube ao receber as denúncias. "Nós terceirizamos o trabalho de administração e gerenciamento das categorias de base. Não tínhamos conhecimento do que estava sendo feito pela empresa contratada. Assim que soubemos, transferimos os adolescentes para uma pousada e, em seguida, o entendimento foi que era melhor que eles retornassem para o Pará", disse.
Segundo Jordy, esse caso caracteriza-se como tráfico de pessoas, tendo em vista a vulnerabilidade a que os adolescentes estavam sujeitos. "Eles não tinham alimentação, não tinham escola, dormiam em condições inapropriadas. Os laços familiares, que são quase obrigatórios segundo a legislação, não estavam sendo respeitados", disse. Para o deputado, diante dos encaminhamentos tomados, o caso pode ser considerado encerrado.
Outro caso analisado envolve Telma Rodrigues do Nascimento, acusada de chefiar um esquema que busca travestis no Pará e no Ceará para serem explorados no estado de São Paulo. O médico cirurgião plástico Jair Alberto Matos, que fazia operações de implante de silicone nos travestis aliciados, colaborou com a comissão, prestando informações sobre os procedimentos adotados por Telma. "Não tinha como saber que se tratava de um caso de tráfico de pessoas. O pagamento, [por exemplo], era feito pelas próprias meninas. Nós atendemos, sem discriminação, diversos segmentos da sociedade", disse.
Arnaldo Jordy disse que os trabalhos da CPI, que começaram em maio do ano passado, devem ser concluídos até maio, mas que os membros podem pedir prorrogação. Ele apontou que um relatório preliminar pode ser apresentado nos próximos 40 ou 60 dias. Ele destaca que mudanças legislativas podem resultar do trabalho. "O nosso arcabouço jurídico é extremamente frágil no tratamento da questão. Podemos sugerir uma legislação completa que possa tipificar esse crime, o que o Código Penal não faz hoje. O código praticamente só dá a tipificação de tráfico de pessoas para fins de exploração sexual de mulheres", disse.