segunda-feira, 29 de junho de 2015

Artigo - Maioridade penal: Vingança não é justiça

  
Por Arnaldo Jordy*
  
“Sabe o que vai acontecer com esse monstro, assassino? Nada! Ele devia ser linchado (...) Queria ver esse moleque fuzilado (...)”.
  
Expressões como estas, até compreensivas, não são raras no cenário cotidiano, por aqueles que perdem um ente vítima da violência. Nesse momento não é o sentimento do ser racional, e muito menos do Estado, que deve ter o olhar do problema na sua dimensão mais complexa. Ali, quem fala é o coração, é a dor da indignação e da vingança.
  
O debate da maioridade penal no Brasil, à luz dos números, estudos e estatísticas,não pode ser o do sentimento de vingança reativa. Eu já fui vítima de cinco assaltos e um sequestro relâmpago, junto com o amigo Daniel Pegado, estando mais de duas horas com um revólver na cabeça, sob a ameaça de três adolescentes. Mas admito que o bom senso desaconselha a elaboração de normas legais, amparadas no sentimento de vingança, e não por uma análise mais estrutural dos seus efeitos e por outro lado, não dá para dizer que a nossa legislação está totalmente adequada para enfrentar a questão dos crimes hediondos e os que atentam contra a vida das pessoas, praticados por jovens de 16 e 17 anos. Temos que alterar o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e aumentar o tempo de permanência na internação daqueles que ameaçam de fato a vida, de forma perversa e fútil.
  
Mas, aqui, trata-se de um ajuste na legislação, e não a redução constitucional da maioridade penal. É preciso registrar que no Brasil, a partir de 12 anos, o adolescente é responsabilizado por qualquer ato contra a lei. O ECA prevê seis penalidades, de acordo com a gravidade do ato: advertência, obrigação do reparo ao dano, prestação de serviços, liberdade assistida, semiliberdade e internação.
  
Alguns dados devemos observar. Não há comprovação científica de uma herança genética de criminalidade. Uma criança não nasce traficante, homicida, estuprador, etc. Esses comportamentos são, via de regra, fruto da condição socioeconômica, cultural, familiar e outros elementos, o que explica que em uma sociedade mais equilibrada, menos desigual e inclusiva, esse fenômeno é menos acentuado.
  
O Brasil tem uma população de jovens em situação de vulnerabilidade de mais de 3 milhões, segundo dados da ONU. Nossa educação é a 83ª pior do mundo e os direitos básicos da maioria dos jovens no Brasil ainda não estão efetivados.
   
Não há dados estatísticos que indiquem a redução da criminalidade por meio do rebaixamento da idade penal. Ao contrário. O ingresso antecipado no sistema penal expõe o adolescente a reproduzir a violência. A taxa de reincidência criminal dos adultos que estão nas penitenciárias é de 70%, enquanto a do sistema sócio educativo é de 36%. O Brasil tem a 3º maior população carcerária do mundo (atrás do EUA e China), com 617 mil presos para 285 mil vagas, o que representa uma verdadeira academia do crime, onde as facções criminosas tem o real poder. Achar que algum adolescente tem chance de sair daí melhor do que entrou é uma ingenuidade.
  
Outro aspecto: os países que têm idade penal abaixo de 18 anos são poucos. Dos 54 países que fizeram este experimento, 41 já voltaram atrás, dado o insucesso desse objetivo, inclusive os mais recentes: Alemanha, Espanha e Colômbia.
  
Preocupa o reflexo que a redução da maioridade penal causará às outras legislações. Os crimes de natureza sexual contra adolescentes que preveem pena grave no caso estupro a menores, favorecimento de prostituição e outros, serão desconsiderados a partir dos 16 anos. O mesmo poderá ocorrer quanto à venda de bebidas alcoólicas, cigarros e habilitação de trânsito, dentre tantos outros reflexos.
  
Finalmente, temos que observar que no Brasil existem 21 milhões de jovens entre 12 e 18 anos. Desses, 30 mil cumprem medidas de internação (com cerceamento de liberdade), sendo que 2.730 cometeram crime contra vida (homicídio e latrocínio), o que equivale a 0,013% da população de jovens e 9% dos que cometem delito grave.
  
Portando, mais de 90% dos jovens que cometem infrações o fazem em crimes patrimoniais (furto e roubo) ou como “mulas” ou “aviões” dos grupos de traficantes, e portanto seriam perfeitamente recuperáveis para o convívio social, a exemplo do nosso goleiro da seleção, Jefferson Galvão, que é ex-egresso de internação sócio educativa.
  
Temos que refletir e debater melhor. A responsabilidade do Congresso ao apreciar essa matéria é enorme. Não podemos, apenas baseados na opinião publica, induzir a ilusões. A simples redução da maioridade penal, ao invés de diminuir, pode agravar a violência, na medida em que esses jovens, em sua maioria, sairão mais violentos e mais criminosos do que quando entram nas penitenciárias. Temos que produzir leis eficazes e encarar o complexo problema sem passionalismos e sem demagogia.
  
* Arnaldo Jordy é deputado federal e membro da Comissão Especial que discute a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 171, que visa a redução da maioridade penal
  
  

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