* Arnaldo Jordy
O Brasil todo ficou chocado com a violência cometida por 30 homens contra uma adolescente, no Rio de Janeiro. O fato causou comoção, principalmente, por ter sido cometido por um grande número de algozes homens contra uma vítima indefesa e desacordada. Hoje, passados mais de 40 dias, não se fala mais no assunto e não há notícias do andamento do inquérito. Um péssimo sinal.
O acontecimento provocou uma discussão nacional, sobre a cultura do estupro, como pode ser definido o pensamento que, de certa maneira, tenta justificar a violência contra a mulher, como algo provocado por ela, através de seus comportamentos, do modo como se veste, fala e age, enfim, por não estar de acordo com o que se espera de uma mulher dita de “família”, ou mesmo por não se submeter a um marido, em uma relação familiar doméstica.
No fundo, a independência da mulher ainda não é aceita, ou é apontada como causa para a violência que ela sofre. Nesse caso, ela estaria ‘procurando’ a violência da qual foi vítima. Isso é o que diz o nosso machismo, nessas situações. Até quem se considera avançado nos conceitos sobre feminismo, pode cair na armadilha do pensamento patriarcal, que diz que a mulher precisa da proteção de um homem.
Em vez disso, a mulher precisa ser vista e respeitada como indivíduo, que tem direito a segurança como qualquer outro, mesmo que escolha sair com uma roupa curta, mesmo que queira ir a um bar com amigas, sem a presença de ninguém.
Isso não é uma concessão que a sociedade faz às mulheres, mas uma conquista de todos. Ao longo do século XX, os movimentos feministas avançaram passo a passo no sentido de se tornarem protagonistas em várias conquistas. Foi assim com o direito de votar, com o direito de ocupar espaço no mercado de trabalho; o direito de ser respeitada por ser a chefe da família e criar os filhos sozinhas, mesmo sendo solteiras, e não discriminadas por isso.
O respeito à individualidade da mulher, no entanto, não vem em uma geração, mas de um longo processo educacional, que deve ter como alvo não só os homens, mas também as mulheres, muitas das quais, também reproduzem o machismo.
Assim, não foram poucas as mulheres que condenaram a adolescente do Rio de Janeiro, por não ter um comportamento padrão tentando achar um motivo para justificar a barbaridade cometida.
É lógico que a jovem tinha problemas: era usuária de drogas, vivia em um ambiente de insegurança, em uma família desajustada e foi mãe precocemente. Mas todos esses problemas não justificam o estupro como uma punição por seu comportamento e nem podem atenuar a gravidade do crime.
Jovens como ela, que vivem em situação de pobreza e abandono social, merecem a atenção do estado, para que possam criar seus filhos com dignidade. Nunca, a condenação.
O estupro tragicamente, ainda é um crime muito comum no Brasil, e só 35% dos casos são notificados, segundo o 9° Anuário Brasileiro de Segurança Pública, com números de 2014. No mesmo levantamento, quase 50.000 pessoas foram estupradas no Brasil em 2015, o que nos dá a média de um estupro a cada 11 minutos. Ora, tantos casos de estupro revelam uma certa banalização do problema. Alguns casos sequer viram notícia. De acordo com o Ministério da Saúde, metade das mulheres estupradas que vieram a óbito tinha menos de 19 anos, e 6% das meninas menores de 13 anos que deram à luz em 2015 foram violentadas.
A cultura do estupro pode ser traduzida, também, na violência com que as mulheres são tratadas em relação à sua vontade. O desejo de terminar um relacionamento, por exemplo, é frequentemente punido com a morte, o chamado feminicídio, que é aquele crime de homicídio cometido por causa da condição feminina da vítima.
É como se a mulher não fosse um ser completo, senhor de sua vontade, de acordo com o que diz a lei brasileira, mas alguém que precisaria obedecer às regras que existem para o interesse dos homens.
* Arnaldo Jordy é deputado federal, vice-líder do PPS na Câmara
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