* Arnaldo Jordy
O Brasil vive a maior crise política de sua vida republicana. Outros dois momentos similares geraram uma revolução, em 1930, e um golpe de estado, em 1964. Desta vez, os militares estão convictos de seu papel constitucional e a situação é enfrentada, felizmente, num ambiente de estabilidade democrática, ainda que parte dos responsáveis pela crise bravejem na tese enferrujada do “golpe” parlamentar, como retórica de marketing, para fugir à própria responsabilidade sobre a grave crise atual.
A delação do diretor da Odebrecht, Cláudio Melo Filho, cujo teor vazou recentemente, desvendou um modelo de transferência de recursos públicos para acumulação de capital empresarial e reprodução política que atenta contra o estado de direito democrático.
Uma só das delações – de 77 que foram feitas – sistematiza o funcionamento da pilhagem da estrutura pública, com apoio de parte da elite política do país, promovendo a maior transferência de renda possível do estado para empresas que atuavam nos setores mais dinâmicos da nossa economia – complexo petroquímico, energia, indústria automotiva e construção pesada. Evidenciou-se também o mecanismo usado para modificar as leis, inclusive a Constituição, para favorecer e garantir privilégio para essas empresas, oferecendo propinas a alguns políticos, garantindo a reprodução dos mandatos e o enriquecimento pessoal de muitos. Foi uma verdadeira aula de corrupção e privatização do estado o relato do ex-diretor à Lava Jato.
Ele cita figurões como Renan Calheiros, Romero Jucá, Delcídio do Amaral e outros, como os articuladores do esquema de suborno para aprovar projetos de interesse da empresa. O lobista descreve minuciosamente as transações no balcão do Congresso. A empreiteira ganhou cerca de R$ 8,4 bilhões com duas medidas provisórias citadas na sua delação. Um negócio altamente vantajoso, considerando que o investimento em propinas foi de cerca de R$ 17 milhões. Segundo o relato de Cláudio Melo, 52 políticos receberam cerca de R$ 72 milhões em pagamentos de propinas e caixa dois (não falo aqui das doações legais, amparadas na lei).
Esse sistema de poder ocorreu no governo do ex-presidente Lula, que administrou o país de 2003 a 2010, cujo partido – e não só ele – foi protagonista de um tipo de divisão entre as empreiteiras, os partidos da base e alguns políticos, definindo claramente as regras do jogo. Claro que não seria honesto dizer que tudo começou no governo Lula, mas com certeza, foi nele que o esquema atingiu uma dimensão nunca vista antes na história, superando os esquemas isolados e individualizados no Congresso. A partir dali, um grupo restrito de políticos aliados, controlando a pauta de votações e as maiores bancadas, comandavam a farra. Também seria desonesto excluir a ex-presidente Dilma de responsabilidade. O sistema de governo montado após a saída de Lula não sobreviveria sem comando. Aliás, o financiamento de suas campanhas de 2010 e 2014, pelo que se viu agora, veio desse esquema. Dilma ainda não foi citada nas delações de empreiteiras, mas nas investigações das campanhas eleitorais, já há evidências de financiamento oriundo desse esquema das empreiteiras, haja vista as investigações sobre a atuação de João Santana e sua mulher, Mônica Moura, nas eleições.
As denúncias contra o presidente Michel Temer e alguns membros de seu staff, por parte de Cláudio Melo Filho, mostra que o esquema continuou funcionando, mesmo depois do governo Lula.
E agora, qual a saída? Essa é a pergunta do final de ano. A retirada constitucional do mandato de Dilma pelo Congresso não arrefeceu a crise econômica, apesar dos singelos sinais de controle inflacionário e muito menos estancou a crise ética. Ele foi o caminho legal encontrado pelo Congresso, com apoio da opinião pública, para salvar o país da completa bancarrota e cumprir a Constituição, diante da irresponsabilidade administrativa da ex-presidente. As novas denúncias e as manobras para sepultar a Operação Lava Jato, que felizmente fracassaram, desgastaram o governo. O presidente Temer não está livre de ter o mandato cassado pelo TSE no julgamento da campanha de Dilma, em ação movida pelo PSDB. Isso também não resolveria muito a crise, pois haveria uma eleição indireta por um Congresso com pouca credibilidade.
A Constituição não prevê a antecipação das eleições e nem a convocação de uma Constituinte, o que resolveria o impasse, devolvendo às urnas, com o voto popular, a recomposição institucional da democracia representativa.
O país andará, em 2017, em situação delicada, exigindo, dentro dos moldes constitucionais, o avanço no combate à corrupção e à impunidade, a recomposição da economia, principalmente no controle da inflação, e na redução do desemprego e a consolidação da democracia, sem nenhum tipo de atalho.
* Arnaldo Jordy é deputado estadual pelo PPS/PA
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