sexta-feira, 28 de outubro de 2016

ARTIGO - A justiça que queremos?

  
* Arnaldo Jordy
    
Um estudo recente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aponta que a Justiça brasileira levaria mais de três anos para zerar o estoque de processos pendentes. O dado é apenas ilustrativo, pois, para que isso acontecesse, seria preciso que nenhum processo novo fosse protocolado nesse período. Mas serve para revelar uma fotografia da situação difícil do Judiciário brasileiro, em sua missão de viabilizar justiça. São cerca de 75 milhões de processos que estão em tramitação nas diversas esferas de Justiça: federal, comum, militar e do trabalho.
   
Imaginemos que apenas 1% desses processos acumulados na área criminal fosse concluído de uma vez e todos os réus fossem sentenciados para a cadeia. Significa que o Sistema Penal receberia imediatamente 750 mil novos presos. Seria impraticável para uma estrutura que já se encontra inviabilizada pela superlotação. Dados do Ministério da Justiça apontam que no primeiro semestre de 2014, o número de pessoas privadas de liberdade ultrapassou a marca dos 600 mil, para um número de vagas em torno de 350 mil. 
  
No entanto, a sociedade clama contra a impunidade e quer ver os bandidos na cadeia. Como fazer para que essa sensação de impunidade seja solucionada com esses números? 
  
E mais. Diante do justo clamor da sociedade ante a corrupção, o STF determinou acertadamente o início do cumprimento da pena já no segundo grau de condenação. A medida foi pensada para combater a impunidade dos criminosos de colarinho branco, mas vale para todos, e isso tende aumentar a população carcerária. Por outro lado, no atual sistema, 40% desses presos são provisórios, ou seja, sem sentença condenatória, e muitos certamente não deveriam estar presos.
  
Outro aspecto, o agravamento das penas não parece ser solução. O jurista Luiz Flávio Gomes informa que o Código Penal Brasileiro já recebeu 195 agravações de pena, desde que foi criado, ou seja, determinou que mais crimes fossem punidos com tempo maior de prisão. Isso não parece ter contribuído para a diminuição da violência.
  
Outra contradição. Segundo levantamento feito pelo jornal "O Globo", cerca de 10 mil magistrados recebem salários acima do teto constitucional. Ou seja, três de cada quatro juízes brasileiros receberam remunerações acima do que prevê a Constituição nacional. São 10.765 juízes, desembargadores e ministros do Superior Tribunal de Justiça que tiveram vencimentos maiores do que R$ 33.763. Pela Constituição, esse deveria ser o maior valor pago aos servidores, incluídas "vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza". Ora, se os salários estão dentre os maiores, como explicar essa quantidade de processos acumulados? 
  
Será que todos estes valores que a sociedade despende para a manutenção do Judiciário têm justificativa pela efetiva prestação do serviço? Ou os juízes estão mesmo sobrecarregados para fazer a justiça a tempo e a hora? O sistema penal brasileiro está em xeque e nas últimas semanas, por causa das brutais rebeliões ocorridas em vários Estados brasileiros, a pressão por soluções imediatas tem crescido, a ponto da ministra Cármen Lúcia, presidente do STF e do CNJ, realizar visitas surpresa em três unidades prisionais do Rio Grande do Norte. 
  
No quadro geral, detentos são mortos por vingança, funcionários e familiares de detentos feitos reféns, resgates e fugas cinematográficas praticadas por criminosos etc. A corrupção no sistema cresce de maneira ameaçadora e como se não fosse o bastante, a atuação das facções se ampliam dentro e fora dos presídios.
  
Esse conjunto de fatores demonstra que, mais que soluções pontuais, é imperativo que haja uma ampla reforma do sistema prisional, pois um sistema debilitado, ao contrário do que se propõe, tende a elevar consideravelmente a violência, em virtude da ausência de possibilidade de recuperação do condenado.
  
É necessário criar mecanismos nacionais e estaduais de controle social do sistema carcerário. Por isso, faz-se urgente garantir o fortalecimento das Defensorias Públicas, com a ampliação do número de defensores, além da instalação de sistemas que permitam o acompanhamento processual nas unidades prisionais, tornando mais céleres os julgamentos.
  
Contrariando a lógica do sistema de encarceramento em massa, o Estado deve incentivar a aplicação de penas alternativas para os casos que não ofendem a segurança social e do indivíduo. A educação e o trabalho dentro do sistema prisional devem ser vistos como dois dos principais instrumentos de reintegração, norteando políticas públicas de incentivo e oferta de trabalho digno. É importante auxiliar os egressos em sua inserção no mercado de trabalho e disponibilizar o adequado atendimento psicossocial a ele e seus familiares.
  
Somente um investimento sério e planejado em segurança, que ataque as causas estruturais da violência, seja um caminho para reduzir essa pressão que atinge a todos nós, que nos deixa inseguros até dentro de casa, e que faz com que surjam desejos de vingança e de resposta à violência com mais violência, agravando ainda mais a situação.
  
  
* Arnaldo Jordy é deputado federal pelo PPS/PA
  
 

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