sexta-feira, 23 de setembro de 2016

ARTIGO - O Brasil contra tráfico

  
* Arnaldo Jordy 
  
Dois anos depois da conclusão da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Tráfico de Pessoas na Câmara dos Deputados, que propôs, entre outras mudanças na legislação, a criação de um tipo penal específico para esse crime, finalmente, na semana passada, o Senado Federal aprovou o Projeto de Lei 479/2012, que tipifica o crime de tráfico de pessoas no Código Penal, com a contribuição valiosa daquela CPI, por mim presidida, em conjunto com as investigações também levadas a cabo pelo Senado, em 2011.
   
A nova lei dotará o Brasil de um marco regulatório para prevenção e repressão ao tráfico interno e internacional de pessoas, crime que atenta contra a vida, o mais valioso bem jurídico da humanidade. Nosso país também se adéqua à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transacional, conhecida como Convenção de Palermo, o principal instrumento global de combate a esse bárbaro crime, e poderá tomar com os outros países medidas conjuntas e efetivas contra o tráfico de pessoas. Com isso, é possível afirmar que aquela CPI teve resultados práticos muito bons, ao contrário de outras que, como se diz, terminam em "pizza", ou seja, sem resultados concretos. 
  
Foram três os eixos da CPI do Tráfico de Pessoas da Câmara dos Deputados. O primeiro foi o do aumento da punição, objetivo alcançado com a aprovação do projeto pelo Senado, que aumenta a pena para até oito anos de prisão. O limite anterior era de quatro anos.
   
Outro eixo que também avançou foi o aparelhamento do estado contra esse crime, objetivo perseguido pela Secretaria Nacional de Direitos Humanos (SDH) e pelos núcleos criados nos Estados. O Pará, aliás, foi um dos primeiros a cumprir essa meta.
   
O terceiro e não menos importante é a prevenção, a partir do debate, que ainda precisa ser incentivado na sociedade, já que esse costuma ser um crime invisível, no qual o criminoso se apresenta como alguém que quer ajudar, de forma generosa e descompromissada. É a amiga que convence a outra a viajar para trabalhar no exterior, com um salário "vantajoso" que nunca aparece, ou o "olheiro" que leva o garoto que joga futebol para se tornar atleta em outro Estado, sempre com uma promessa de melhoria de vida, que se transforma em pesadelo.
   
De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), o número de pessoas traficadas no planeta atinge a casa dos quatro milhões anuais. O crime movimenta em torno de 32 bilhões de dólares, dos quais 80% são provenientes da exploração sexual de mulheres. O Brasil está entre os dez países que mais fornecem seres humano para o tráfico internacional, seja para trabalho escravo, prostituição, comércio de órgãos humanos e também pedofilia.
   
Além de permitir a nossa adequação à Convenção de Palermo, a CPI do Tráfico de Pessoas sugeriu alterações no Estatuto da Criança e do Adolescente, no Código Penal, no Código de Processo Penal, na Lei de Crimes Hediondos, na Lei dos Transplantes, na Lei Pelé e na Lei de Artistas e Técnicos de Espetáculo de Diversões. Antes, a legislação limitava-se a tipificar o tráfico de mulheres para fins de exploração sexual e o tráfico de crianças. Com a nova proposta, a legislação passa a abranger o tráfico para trabalhos forçados e para transplantes de órgãos, conforme pleiteado por nós na Câmara.
   
Foram dois anos de muito trabalho e deslocamentos pelo Brasil e até ao exterior, em busca de desvendar as rotas utilizadas e trazer à luz casos degradantes de exploração humana, que contrariam qualquer noção de dignidade e liberdade para a humanidade.
   
É preciso que se combata com seriedade essas redes de exploração, em que pessoas inescrupulosas, capazes de negociarem seus semelhantes apenas para auferirem benefícios financeiros, tenham suas atividades criminosas investigadas e encerradas.


* Arnaldo Jordy é deputado federal pelo PPS
  
  

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