segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

ARTIGO - Belém sem presente e sem folia

  
 
   
* Arnaldo Jordy
  
Belém recebeu uma triste notícia na véspera de seu aniversário de 401 anos. O carnaval da nossa cidade não terá o tradicional desfile oficial das agremiações carnavalescas. A alegação foi a crise financeira que atinge o país. A Prefeitura de Belém argumenta que não pode arcar com essa despesa. Infelizmente, o carnaval das escolas de samba, outrora tão pujante, está sob a ameaça de entrar para o rol das coisas que Belém já teve.
  
Parte importante da nossa cultura popular, as escolas de samba e blocos mobilizam as comunidades de dezenas de bairros de Belém durante o ano todo. Através delas, a população manifesta suas opiniões, faz homenagens, expressa sua irreverência, aquece a economia, gera empregos, resgata tradições, se fantasia e se diverte.
  
Essa ópera popular que é o desfile das escolas de samba, em que o centro das atenções é o povo humilde conduzido por uma verdadeira orquestra de percussão, que são as baterias das escolas, retrata nossa cultura e nossa época em seus enredos. Já em 1891, por exemplo, um bloco do Rio de Janeiro desfilou com a figura de D. Pedro II coberta pela mancha da escravidão que ainda existia no Brasil, um dos últimos países a abolir essa abominação. 
   
O samba se desenvolveu nos morros para onde foram mandados os escravos libertos, sem educação, sem apoio, sem trabalho. É uma legítima manifestação cultural dos excluídos. É o grito dos desamparados que se faz ouvir a cada ano, no carnaval, porque representa a cultura de origem afro e europeia; a cultura brasileira.
  
Belém se orgulha de ser a terra natal de Eneida de Moraes, a autora da História do Carnaval Carioca, que mostra a influência dessa manifestação cultural na vida do povo brasileiro. Belém se orgulha também de ser a terra do Rancho Não Posso Me Amofiná, do Quem São Eles, da Embaixada do Império Pedreirense, do Bole-Bole, dos Piratas da Batucada, da Grande Família, da Matinha e de tantas outras agremiações que existem e que existiram e que fizeram história no carnaval de Belém.
  
A crise que assola o país é inegável e se apresenta muito pior em outros Estados e cidades, mas isso jamais poderia ser pretexto para abolir o desfile da maior manifestação cultural do país, na cidade que já figurou entre os cinco maiores carnavais do Brasil. Imagina se os governantes do Rio de Janeiro, Salvador, Recife ou mesmo de São Paulo cometessem o desatino de cancelar o carnaval, qual seria a reação do povo? Belém já padece com o atraso e a falta de condições dignas de moradia, de transportes, de abastecimento de água, das altas tarifas de energia, e de tantos outros problemas que atormentam os seus moradores nesse aniversário de 401 anos.
  
Neste aniversário e nos últimos quatro anos, a população sonhava com serviços públicos de qualidade em saúde, educação, infraestrutura urbana etc. Esses seriam presentes bem melhores para a cidade do que apenas um bolo gigante e um show musical, que se repetem ano após ano, e mais nada, nenhuma obras estruturante, além do BRT, que se arrasta há anos, entra mandato, sai mandato, sem conclusão, sem uso efetivo, sem utilidade.
   
É urgente que prefeitos e vereadores aumentem a capacidade de planejamento e gestão dos recursos públicos. Segundo levantamento nacional publicado pelo TCU em maio de 2015, 42,2% das prefeituras estão em estágio inicial de governança pública, ou seja, têm baixa capacidade de planejar, formular, programar, executar e dar transparência às políticas públicas.
  
Um bom exemplo de gestão é Vitória (ES), que saiu de uma crise permanente de segurança pública, em que era acossada pelo crime organizado, para se tornar uma das melhores cidades para se viver, multipremiada pela gestão competente dos últimos anos. Ganhou prêmios em saúde, educação, transparência, eficiência e bem-estar urbano e agora está abaixo da média nacional em número de homicídios; e foi incluída no rol das cidades preparadas para o turismo da Embratur.
   
No Índice de Bem-Estar Urbano das capitais do país do Observatório das Metrópoles, coordenado pela UFRJ, no ano passado, Belém ficou em um sofrível 25º lugar entre as 27 capitais brasileiras, à frente apenas de Porto Velho (RO) e Macapá (AP).
   
Há uma dificuldade permanente em se definir estratégias de longo prazo. Além disso, não só Belém, mas todas as cidades brasileiras seriam beneficiadas por uma redefinição dos direitos e deveres de municípios, Estados e União, com o fortalecimento dos municípios, onde estão as maiores demandas dos cidadãos. 
   
Será que não haveria outra saída no caso do carnaval? A crise econômica é real e está aos olhos de todos, mas a prefeitura não poderia, em diálogo com as agremiações, reduzir os carros alegórico, os tripés, fazer algo mais modesto? E quem vai indenizar os gastos já feitos até agora, por conta da subvenção que viria? Afinal, o prefeito que assume agora, já estava à frente da gestão. Com o planejamento adequado, até mesmo o carnaval das escolas de samba estaria garantido, não só para atender aos anseios desse segmento cultural, como também para movimentar a cidade e seu turismo, gerar emprego e renda, para uma cidade onde sentiríamos maior prazer em viver. Pobre Belém, sem presente no seu aniversário e sem folia.
   
    
* Arnaldo Jordy é deputado federal pelo PPS/PA
   
   

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