sexta-feira, 1 de setembro de 2017

ARTIGO - O recado das urnas

   
* Arnaldo Jordy 
  
O resultado da recente eleição no Amazonas, para escolha do governador que irá cumprir mandato tampão de 14 meses, até o próximo ano, revelou mais do que o poder que ainda ostentam velhos caciques da política, como Amazonino Mendes, mas também a grande e crescente rejeição do eleitorado ao cenário de hoje na política. O eleito recebeu, ao final da apuração, 782.933 votos, enquanto seu adversário no segundo turno, Eduardo Braga, levou 539.318 votos. Mas poderíamos dizer que o segundo lugar ficou mesmo com as abstenções. Foram 603.914 eleitores que, por qualquer motivo, deixaram de comparecer às urnas. Outros 342.280 eleitores cumpriram com seu compromisso eleitoral, mas optaram por anular o voto, enquanto 70.441 escolheram votar em branco. O total de 1.016.635 eleitores disseram não ao pleito, 50% do eleitorado.
  
Esse não é um fenômeno novo, mas vem aumentando ao longo do tempo. No segundo turno das eleições de 2014, quando Dilma Rousseff obteve 54.501.118 votos e Aécio Neves, 51.041.155 votos, as abstenções totalizaram 30.137.479; os nulos, 5.219.787 votos; e os brancos, 1.921.819 votos, totalizando mais de 37 milhões de cidadãos que não votaram em nenhum dos dois candidatos, ou um terço dos votos apurados, que foram 112,6 milhões. Naquela ocasião, a abstenção havia sido a maior desde 1998.
  
Uma das causas para esse processo é a corrupção. O eleitor que paga seus impostos de forma correta já não se sente representado pelos seus escolhidos, muito embora tenha votado neles. O historiador Leandro Karnal diz que não existe um político corrupto eleito por uma sociedade honesta. Da mesma forma, uma sociedade corrupta não elege representantes honestos. Basta lembrar os casos de compra de votos e fraudes eleitorais para constatarmos que a corrupção começa no voto e continua nas casas legislativas e governos.
  
Os números do Amazonas indicam que houve um protesto silencioso dos eleitores, que serve como recado para o atual sistema. Esse protesto é legítimo e a manifestação do eleitor deve ser considerada. No entanto, pouco influi para mudar o cenário atual, ao contrário, talvez ajude a perpetuar no poder justamente aqueles que o eleitor gostaria de ver alijados. Da mesma forma que tem políticos que compram votos, há eleitores de vendem o voto. Melhor seria que o eleitor cuidasse de escolher melhor seus candidatos, votando naqueles que possam fazer a diferença em favor do modelo de sociedade. Para isso, precisamos urgentemente de uma reforma política que mude de fato, que não seja o famigerado “distritão”, que serviria mais para preservar os mandatos dos atuais detentores e até ampliar a vantagem de quem tem poder econômico e notoriedade para conseguir votos. Muito menos com o inacreditável fundo de 3,6 bilhões de reais com dinheiro público que chegou a ser sugerido para substituir os financiamentos privados.
  
Essas propostas dissociadas da realidade e do momento econômico atual, em que as contas públicas não fecham e o governo convive com um rombo fiscal estimado em 159 bilhões de reais no orçamento, ajudam a afastar ainda mais a população da política. O eleitor não se sente representando por quem só almeja entrar nessa atividade para conquistar poder, dinheiro e traficar influência em favor dos seus interesses e dos seus apaniguados. Quem pensa assim, aliás, não compreendeu que o futuro já chegou. Estamos na era da informação e da tecnologia, das redes sociais. As pessoas se informam e emitem opiniões a partir de um clique no celular. Não significa que a opinião pública esteja sempre certa, mas que os eleitores são muito mais críticos hoje em dia e exigem respeito.
  
O modelo distrital misto, por outro lado, já foi testado em vários países da Europa e poderia ser utilizado no Brasil como forma de aumentar o controle do eleitor sobre os políticos que elegeu. É preciso democratizar a representação. Hoje, o poder econômico domina o Congresso Nacional por meio de “lobbys”, enquanto outros setores da sociedade ficam desguarnecidos. O financiamento público de campanhas deve existir para que haja condições de disputa menos desiguais com aqueles que têm mais poder econômico. 
   
Precisamos de uma reforma que modernize a política, que pavimente o caminho para a superação do presidencialismo, em direção ao parlamentarismo, em que o poder é menos individualizado na figura do chefe de governo. O Brasil precisa superar a era dos heróis de moral duvidosa. O próprio brasileiro precisa se sentir no controle das rédeas da política, por meio de representantes comprometidos com interesses públicos. Essa evolução virá quando tivermos maior investimento em educação, para formarmos eleitores mais conscientes de seus direitos e deveres, mais engajados na política e que busquem a participação efetiva nas decisões do país
   

* Arnaldo Jordy é deputado federal, líder do PPS na Câmara
   
  

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