Com informações
da Agência Câmara
A relatora da CPI do Tráfico de Pessoas, deputada Flávia Morais (PDT-GO), disse há pouco que espera uma resposta para o caso da mãe que teve cinco filhos adotados por famílias de São Paulo em um processo sumário. A comissão, segundo ela, deve dirigir-se à Corregedoria Nacional de Justiça (CNJ) em busca de uma explicação. “Pode ter havido interesse econômico por trás. Esperamos que não seja; mas, se for (o caso, espero) que possamos avançar no sentido de coibir a prática no País”, afirmou a deputada em reunião, nesta terça-feira.
O juiz substituto da Vara Criminal do Fórum da Comarca de Monte Santo (BA), Luiz Roberto Cappio Guedes Pereira, defendeu uma investigação da Polícia Federal. Ele disse acreditar que exista um esquema criminoso que atue em outras regiões da Bahia e conte com a participação de agentes públicos.
Processo sumário
No ano passado, os filhos de Silvânia da Silva, moradora de Monte Santo (BA), foram dados para quatro famílias em São Paulo por determinação do juiz Vitor Manoel Xavier Bizerra, o responsável pela assinatura da guarda provisória. A defesa de Silvânia alega que o processo deu-se sem que a família fosse ouvida, com base em um relatório do conselho tutelar que simplesmente informava as péssimas condições de higiene das crianças.
A adoção também teria sido acelerada por uma intermediadora, que teria apontado situação de risco. Segundo o promotor de Justiça Titular da Fazenda Pública de Euclides da Cunha (BA), Luciano Taques Guignone, a intermediação não se justifica mesmo que haja risco.
Guignone informou que o Ministério Público está acompanhando o caso e não se opõe ao retorno dessas crianças à família biológica. Já foi feito um estudo na casa de Silvânia e não foi constatado risco para os menores. Ele disse, no entanto, que o retorno deve ocorrer da forma menos traumática possível, com apoio psicológico e sem exposição na mídia. "Uma das crianças tinha apenas dois meses quando foi adotada. Então, ela não teve convívio com a família original", disse.
Para o deputado Arnaldo Jordy, que preside a Comissão de Inquérito, “este caso possui todas as características de tráfico de pessoas, com uma quadrilha agindo no interior daquele Estado”. Segundo o parlamentar paraense, a CPI não medirá esforços para ter este e outros casos suspeitos, na mesma região, elucidados. No relatório final, a Comissão deverá propor mudanças na legislação para que estratagemas jurídicos como os utilizados pela quadrilha do interior baiano, sejam evitados.
Mãe natural não foi ouvida
Silvânia Mota da Silva, mãe de cinco crianças que teriam sido irregularmente adotadas na Bahia no ano passado, disse que em nenhum momento recebeu explicações sobre o processo. Um dia, afirmou em reunião da CPI do Tráfico de Pessoas, a viatura do conselho tutelar apareceu à porta de sua casa e levou os filhos que moravam com ela e os que moravam com o pai. “Levaram meus filhos, e eu não posso fazer nada”, declarou, chorando.
Os filhos de Gerôncio Souza e Silvânia da Silva, moradores de Monte Santo (BA), foram levados para quatro famílias em São Paulo por determinação do juiz Vitor Manoel Xavier Bizerra, o responsável pela assinatura da guarda provisória. A defesa de Silvânia alega que o processo deu-se de forma sumária, sem que a família fosse ouvida, com base em um relatório que simplesmente informava as péssimas condições de higiene das crianças.
Participantes da audiência defenderam mudanças na lei brasileira para evitar que transferências irregulares de crianças sejam feitas como se fossem legais. A sanção para quem dá o filho em troca de pagamento ou recompensa não deveria ser de um a quatro anos de reclusão, como é hoje, disse o juiz substituto da Vara Criminal do Fórum da Comarca de Monte Santo (BA), Luiz Roberto Cappio Guedes Pereira. A lei não prevê punição para intermediadores, nem pune a adoção irregular em território nacional nos casos em que não há pagamento. “A legislação brasileira está caduca. Hoje se equipara de fato qualquer objeto, coisa apropriável, a uma criança”, lamentou.
Lacunas na legislação
O promotor de Justiça Titular da Fazenda Pública de Euclides da Cunha (BA), Luciano Taques Guignone, também apontou lacunas na legislação brasileira que permitiriam processos irregulares de adoção sem punição de culpados. Conforme lembrou em audiência pública sobre o assunto, na CPI do Tráfico de Pessoas, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) pune a transferência irregular de crianças mediante pagamento ou promessa de recompensa dentro do Brasil e também a entrega irregular, mesmo que de graça, de uma criança para adotantes estrangeiros. No caso da entrega feita dentro do Brasil, são punidos a genitora e o receptor, mas não o intermediador. A advogada do Cedeca da Bahia, Isabella Oliveira, já havia criticado a legislação sobre o assunto mais cedo, durante a reunião.
“Como a gente faz o enquadramento criminal quando a mãe não recebe nada, pois quem recebe é o intermediador, e não se trata de remessa para o exterior? A pobreza faz com que as mães entreguem crianças de graça”, questionou Guignone, referindo-se ao caso da adoção de cinco crianças baianas que teria sido feita de forma irregular. “Precisamos urgentemente de uma revisão que permita a incriminação da adoção irregular interna, mesmo sem pagamento ou recompensa", defendeu.
O promotor também criticou a pena atualmente aplicada ao crime, um a quatro anos de reclusão. “Alguém que de forma ardilosa compra uma criança é punido como alguém que furta um celular. É uma desproporção. Com uma pena máxima de quatro anos, jamais a pessoa vai para a cadeia. Ela vai pagar cesta básica”, afirmou.
Cedeca defende reversão da adoção
A advogada do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente da Bahia (Cedeca-BA) Isabella da Costa Pinto Oliveira defendeu agora há pouco a reversão da adoção de cinco crianças retiradas de Monte Santo (BA), no ano passado para serem adotadas. A advogada, que falou durante audiência pública da CPI do Tráfico de Pessoas, entende que o Estado deve dar o devido apoio à família.
A representante do Cedeca apontou falhas na legislação brasileira que poderiam ter levado a um processo irregular de adoção das crianças. Ela criticou o fato de o juiz Vitor Manoel Xavier ter autorizado a adoção sumariamente, sem se apoiar em um relatório detalhado sobre a situação das crianças. A adoção teria ocorrido após atuação da intermediadora Carmem Kiechofer Topschall, que teria apontado uma situação de risco.
“Um juiz que tome uma decisão sobre a retirada de crianças do lar precisa de um parecer técnico recomendando a medida. Os relatórios do caso diziam apenas que as crianças estavam em situação precária de higiene e saúde, o que é realidade no sertão da Bahia”, criticou a advogada em reunião da CPI do Tráfico de Pessoas para discutir o tema. Ela lembrou ainda que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) reconhece que as famílias podem ter dificuldade no desenvolvimento dos filhos em consequência da pobreza e, por isso, prevê uma rede de proteção.
O ECA, continuou, choca-se com a formação elitista dos profissionais de Direito. Na opinião da advogada, a situação configura-se como de tráfico de pessoas, ainda que exista uma dificuldade em percebê-la como tal.