sexta-feira, 2 de março de 2018

ARTIGO - Não somos a casa da mãe joana

   
* Arnaldo Jordy
   
Assim como não se pode querer a Amazônia intocada, sem o aproveitamento produtivo das suas riquezas, também não se pode permitir que sua população seja ignorada, e pior ainda, prejudicada nas suas condições básicas de sobrevivência por uma grande indústria mineral estrangeira, que lucra bilhões escavando o solo da floresta e sugando o suor da nossa gente. É claro que estou falando da Hydro Alunorte, que não pode mais ser responsabilizada por um ou outro acidente pontual na região de Barcarena, e sim pela contumácia desses desastres ambientais. Foram onze vazamentos desde 2009, ou seja, mais do que um por ano.
   
Curiosamente, a Hydro Alunorte tem 34% do seu capital pertencente ao próprio governo da Noruega, país que é o principal mantenedor do Fundo Amazônia, juntamente com a Alemanha, destinado a apoiar projetos e ações de prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento; promoção da conservação e do uso sustentável da Amazônia e apoio ao desenvolvimento de sistemas de monitoramento e controle do desmatamento no Brasil.
   
Entre 2009 e 2016, aquele país enviou 3,6 bilhões de reais para o fundo, administrado pelo BNDES. No ano passado, a chefe do governo norueguês anunciou que cortaria pela metade os recursos, em razão de falhas na política ambiental do governo federal. Até aí, tudo bem. Mas o governo norueguês não pode permitir que sua empresa faça aqui o que não faz na Europa, onde as leis ambientais são rígidas e a preocupação com o meio ambiente é muito presente na sociedade.
    
O que os noruegueses diriam ao saber que a Hydro utilizou dutos clandestinos para aliviar a pressão das suas bacias de contenção, contaminando sem permissão os rios que servem para a subsistência das populações ribeirinhas? Parece que, inspirada no velho imperialismo do século 19, a Noruega se acha no direito de fazer no Brasil o que não faz na Europa. E o pior, mesmo tendo sido condenada a pagar multa de 17 milhões de reais após o vazamento de lama tóxica em 2009, nada pagou, apesar da mortandade de peixes verificada na ocasião. Um estudo realizado pelo conceituado Instituto Evandro Chagas constatou aquilo que a empresa queria esconder: a contaminação dos cursos d’água.
   
Outra pesquisa, esta realizada pelo Laboratório de Química Analítica da Universidade Federal do Pará (UFPA), constatou que um em cada cinco moradores de Barcarena onde estão as empresas norueguesas está contaminado por chumbo, com uma concentração do elemento químico no corpo sete vezes maior do que a média mundial. O chumbo no organismo atinge os sistemas nervoso e respiratório e pode provocar problemas cognitivos nas crianças.
    
A despeito do discurso de responsabilidade social e ambiental do governo da Noruega, a empresa sempre nega e procura fugir da responsabilização pelos seus atos, como fez na sexta-feira passada, na visita de comitiva de parlamentares às instalações da Hydro em Barcarena, quando alegou desconhecimento da existência do duto clandestino que utilizava e que contaminava a água utilizada pela população.
   
Não se trata, aqui, de inviabilizar a indústria ou de manda-la embora do Pará, mas sim de fazê-la cumprir com sua obrigação, até mesmo porque a Hydro Alunorte recebe incentivos fiscais estaduais e federais para sua atividade e tem um lucro anual de R$ 5,5 bilhões com a extração de bauxita do nosso território. O mínimo que a Hydro pode fazer, agora, é compensar a população pelos prejuízos causados, suprindo as carências desses moradores, que até hoje não têm água potável, energia firme, saneamento e outros benefícios da vida moderna que a proximidade com uma grande empresa multinacional poderia proporcionar.
   
Estou propondo a suspensão da licença de funcionamento da empresa, pela não observância dos compromissos contratuais, que foram quebrados, e também a suspensão dos subsídios federais e estaduais. O que a Hydro Alunorte não pode é simplesmente vir aqui usar os insumos mais baratos, a mão de obra mais em conta, o porto de Vila do Conde, para fazer os negócios bilionários e gerar um prejuízo desse tamanho contra o meio ambiente amazônico, contra pessoas desprotegidas, como ribeirinhos e pescadores, e sair incólume disso. Nós, aqui, não somos a casa da mãe joana.
   
  
* Arnaldo Jordy é deputado federal - PPS/PA
  
  

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