* Arnaldo Jordy
Em poucas ocasiões a cultura popular aflora de forma tão espontânea como no carnaval, essa festa de origem remota faz parte do calendário cristão, sempre nos quatro dias que antecedem a quaresma, o período de 40 dias antes da Semana Santa. É um período de liberdade antes da contrição, um extravasamento para o povo.
Foi assim que o carnaval, trazido da Europa para o Brasil, foi apropriado pelos recém-libertados da escravidão e abandonados à própria sorte nos morros do Rio de Janeiro, para onde foram depois de migrar do Vale do Paraíba, em São Paulo, na “crise do café”, no final do século 19. Antes mesmo de 13 de maio de 1888, os abolicionistas do Rio já usavam desfiles carnavalescos para passar sua mensagem, exibindo, em 1881, carro alegórico com a imagem de Dom Pedro II manchada pela escravidão. Em 1889, marchinhas de carnaval festejavam a tão sonhada Abolição, que não foi o bastante para apagar injustiça da escravidão.
Nos morros aflorou o samba e a sensacional ópera popular que são os desfiles das agremiações carnavalescas, a ponto de se tornarem grandes atrações turísticas internacionais que mobilizam comunidades durante o ano todo, com um trabalho social de inclusão através da arte, seja pelo aspecto cênico da história que é contada na avenida, seja pela música produzida pelas orquestras de percussão das baterias. O carnaval, além de arte e cultura, é uma cadeia de geração de renda que movimentou no ano passado mais de R$ 3 bilhões no Rio de Janeiro. Lamentavelmente, nossos governantes locais acham que investir no carnaval é desperdício.
O Pará tem íntima relação com o carnaval das escolas de samba. Uma de nossas melhores escritoras, Eneida de Moraes, foi a principal historiadora do carnaval carioca. Em Belém, temos uma das agremiações mais antigas do Brasil, o Rancho Não Posso Me Amofiná, e outras que surgiram da manifestação espontânea dos paraenses, como o Império Pedreirense, Quem São Eles, Bole Bole, Xodó da Nega, Deixa Falar, Grande Família, Piratas da Batucada, Escola de Samba da Matinha e tantas outras que ainda resistem. Essas escolas já fizeram em Belém o terceiro ou quarto melhor carnaval do Brasil, com espetáculos grandiosos. Sambas-enredo paraenses, como Quarup, foram elogiados Brasil afora por compositores como Chico Buarque.
O Pará também foi tema de carnavais campeões no Rio de Janeiro, como a “Festa do Círio de Nazaré”, da Estácio de Sá, em 1975, e “O Mundo Místico Dos Caruanas nas Águas do Patu-anu”, da Beija-Flor, em 1998. Nosso carnaval produziu figuras históricas como o casal de mestre-sala e porta-bandeira Rubão e Margarida, e tantos outros.
Com o passar dos anos, entretanto, o carnaval foi perdendo o apoio, tratado como dispensável, empobreceu e quase desapareceu. No ano passado não tivemos o desfile. Este ano, consegui o apoio do governo do Estado e mais recursos de emenda parlamentar, que foram os únicos que foram pagos às escolas antes do desfile. Aliás, até hoje ninguém entende por que os recursos frequentemente saem depois do evento, o que encarece muito os custos das agremiações.
Graves e variados foram os problemas do carnaval com a mudança para a Marechal Hermes, o local de concentração dos brincantes estava alagado pela forte chuva e pela proximidade da maré alta, um lugar sem segurança, onde, se alguém precisasse de atendimento nas arquibancadas, não teria como ser retirado de maca pelas laterais, mas somente pelas extremidades da pista, únicas saídas do local do desfile.
Sem dúvida, a Aldeia Amazônica tem muitas falhas e não é o lugar ideal, mas o desfile não poderia ter saído de lá para um lugar pior. A Aldeia foi construída com dinheiro público para servir à população e em 2016 recebeu um público de mais de 50 mil pessoas para o desfile, enquanto este ano, cerca de 1.500 compareceram, número comparável aos brincantes de apenas uma das grandes agremiações. Em um incrível retrocesso, havia mais gente desfilando nas escolas do que pessoas na plateia. Portanto, se não for para construir um novo equipamento, que se mantenha a Aldeia Amazônica, com os ajustes que forem necessários.
O que não se pode é tratar o carnaval das escolas de samba com tal descaso e falta de planejamento, além do total desprezo com as comunidades que trabalham durante o ano todo para produzir um espetáculo que pode ser mais bem aproveitado do ponto de vista turístico e de negócios. O ressurgimento do carnaval de rua de Belém na Cidade Velha, com todos os seus problemas, mostra o potencial dessa festa entre os belenenses, que só precisa se melhor organizada para render lucro e satisfação para todos.
* Arnaldo Jordy é deputado federal - PPS/PA
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